domingo, 22 de março de 2009

Acredite no poder do branco

Raquel esperava ansiosamente pela visita da garota que iria roubar o mais preciso bem que tinha. O filho. Passara o dia fazendo aquela macarronada com o molho que, como dizia seu filho “ninguém no mundo conseguia fazer igual”. Fez também o estrogonofe que, igualmente segundo seu filho, era o prato preferido na nova namorada. Acidentalmente deixou cair algumas colheres de sabão em pó no estrogonofe. Raquel lembrou que deveria avisar para que não comesse o estrogonofe. Lembrou também que se esqueceria de avisar isto para a garota. Acidentalmente, claro!

A mulher ouviu o minúsculo poodle latir alegremente, só latia daquele jeito quando ele chegava.
- Augusto, meu bebê!
A recepção foi maravilhosa, repleta de beijos, abraços, afagos, elogios e conversas calorosas. Durante esse tempo em que mãe e filho matavam a saudade, a garota encarava o poodle, que a encarava de volta. Ele não estava feliz.
Passados longos e constrangedores minutos, Augusto lembrou que havia uma mulher ao seu lado. Logicamente que não era sua mãe, Augusto acreditava na castidade de Raquel, ela não era mulher, era somente sua mamãe. Curiosamente, nem Augusto nem Raquel conheciam Freud.
- Mamãe, essa é Sofia. Minha namorada!
- Ah!
Na mente doentia de Raquel “ah” poderia assumir diversos significados. Cabe perfeitamente para esse momento: Então você é a vaquinha safada que quer roubar meu bebê!
Enquanto os homens (Augusto e o poodle) viam TV na sala, Sofia e Raquel conversavam amigavelmente na cozinha.
- Augustinho disse que você ama estrogonofe, fiz especialmente pra você
- Dona Raquel, nem precisava ter se incomodado!
- Precisava, precisava muito! Prove um pouco.
- Acho melhor esperar o Augusto.
- Menina, não seja bocó! Senão quando casar ele vai quere mandar em você! E de qualquer forma, estou tão insegura, nunca fiz estrogonofe. Prova, vai!
- Eu realmente acho melhor...
- PROVE!
Sofia se viu obrigada a provar. Provou generosas colheradas. E fez cara de quem amou.

Todos estavam confortavelmente acomodados nas cadeiras, prontos para o almoço quando teatralmente Raquel quebra o silêncio.
- PUUUTZ!
Como se não fosse suficientemente bizarro uma mulher de quase cinqüenta anos dizendo “putz”, ela continuou:
- Melhor não comer o estrogonofe.
- Porque mamãe? Está com uma cara ótima!
- Dona Raquel, eu não falei nada pra não te decepcionar, mas o gosto está meio estranho.
Sofia tomava bons goles de suco para aliviar o gosto de sabão.
-Pois é, acho que eu acabei derrubando uma coisinha que estava do lado da pia dentro do estrogonofe. Que descuido o meu!
- O que caiu no estrogonofe?
- Se eu disser, vocês vão rir muito de mim!
Eles riram educadamente.
- Talvez tenha caído uma colher de sabão em pó. Como eu sou desastrada!
Eles pararam de rir.
- COMO A SENHORA ME DEIXOU PROVAR ISSO?
- Mamãe, pelo amor de Deus, isso não é coisa que se faça!
- Calma crianças, vocês não tem senso de humor?
Eles não riram. Nem que educadamente.

Eles podiam gritar, xingar e chorar. Mas o mal feito já estava feito. O estômago de Sofia ia ficar três vezes mais branco do que com os sabões em pó comuns. Porque Raquel tinha classe. Usou sabão em pó com alvejante.
Agora Sofia tomava suco direto da jarra.
- Mãe, você não ter vergonha de ter dado comida com sabão pra minha namorada?
- Vergonha do sabão nem tanto, tenho mais vergonha de ter feito o suco com a água do cachorro.
Sofia cuspia.
- Brincadeirinha! Já vi que você é uma garotinha sem senso de humor. Eu sei que meu bebê não gosta disso. Cuidado mocinha!
Agora Sofia não cuspia mais o suco. Cuspia fogo!
- BRUXA VELHA!
Como num grotesco episódio de Maria do Bairro, Raquel pôs-se a chorar.
- Filinho amado, você do que “essa-mocinha-aí” me chamou?
- Ah mãe! Você pediu!
- Velha desgraçada!
- E você é uma vadiazinha que não merece nem as colheres de OMO que estão aí dentro!
- COLHERES? VOCÊ DISSE QUE TINHA UMA!
- Uma, ou duas, ou doze... Que diferença faz?
- HÁ HÁ! OK! Eu ia te dar um tapa, mas agora vou te dar doze, afinal, não faz diferença!
- Calminha aí garotinha infeliz. Você primeiro tem que ficar de molho por trinta minutos, depois começa a centrifugar! Como você é iniciante, decidi colocar a quantidade pra um ciclo suave!
Era uma piada.
Raquel riu.
Sofia voou em seu pescoço!
- Augusto meu mimo, ela vai me matar!
- Fique tranqüila que eu não vou te matar, mas você vai levar umas belas bofetadas, ah vai!
- CHEGA! VOCÊS DUAS, QUIETAS!
- Viu bebê, é isso que dá trazer qualquer uma pra conhecer mamãe. Nem sei o nome dessa trombadinha!
- Pra isso que servia o almoço, velha desgraçada. Pra nos conhecermos. E meu sobrenome é Gallo, se tanto te importa saber.
- Augustinho meu amor. Responda pra mamãe, quem é a mulher do galo?
- Ó céus. É a galinha!
- Achei seu sobrenome bastante apropriado querida.
- Pra mim chega! Augusto, você vem comigo?
- Claro amor!
Eles estavam prestes a tomar o caminho da rua quando Raquel deu a última cartada.
- Meu bebê, estou tendo um AVC, eu vejo a luz, papai veio me buscar. Socorre mamãe!
Augusto voltou para socorrer sua mãe e quando virou a cabeça para ver a porta já era tarde. Sofia já tinha ido. Raquel estava completamente realizada, era menos um obstáculo, seu preciso bebê era exclusividade dela novamente.
Raquel acreditava no poder do branco.

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